Os dilemas da fidelidade nos assombram desde que descobrimos que o nosso desejo é também o desejo do outro, como já dizia Lacan. Para o psicanalista francês, o desejo não nasce sozinho: ele é moldado pelo olhar e pela palavra do outro. 

E, se somarmos isso ao fato de que nossas frustrações amorosas, convertidas em ressentimentos, podem se tornar terreno fértil para uma perspectiva distorcida com a qual julgamos o próximo, veremos que nem tudo o que brota na nossa cabeça é real.

Capitu, personagem do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, talvez seja o exemplo mais emblemático disso ─ e, quem sabe, a protagonista da maior polêmica da literatura brasileira, mas certamente a mais injustiçada dos cânones literários. 

Vítima das suspeitas insustentáveis de Bentinho, com quem viveu uma paixão na juventude, ela acaba se tornando alvo fácil também de nós, leitores, que, seduzidos pela narrativa, terminamos por nos deixar manipular. Afinal, a história é contada pelo maridão que pensa ter levado um belo par de chifres.

Mas será que isso é suficiente para defender Capitu com unhas e dentes? Eu diria que sim. Isso porque, por meio da análise literária, é possível enxergar com mais clareza uma série de fatores que está nas entrelinhas da obra; entre eles, o fato de conhecermos Capitu apenas pela visão maculada de Bento Santiago. Já havia parado para pensar nisso?

Além disso, ainda que a traição seja um tema central do Realismo, reduzir a genialidade de Machado a uma tendência desse movimento soa pouco coerente. Machado, com sua genialidade, deixa tantas outras pistas a nossa disposição, e é sobre elas que me debruço na crônica desta semana ─ uma análise que revela o caminho que Dom Casmurro percorre ao atravessar séculos para dialogar com Otelo, de Shakespeare.

Boa leitura — e até a próxima!

Um abraço,

Will Assunção