Não adianta tratar como coisa de outro mundo: eu, você e sua mãe provavelmente temos os nossos inconscientes povoados de fetiches ─ muitos deles inconfessáveis. Marombas de academia, ninfetas de lingerie, mucilons recém-ingressados na vida adulta ou mulheres mais velhas são apenas alguns clichês repaginados com frequência pela sociedade ocidental.
Na era em que a internet dita comportamentos, problematiza e ressignifica o modo como lidamos com o sexo, a atração intensa por algo específico que nos desperta desejo ou prazer ─ ainda que simbólico ─ é impulsionada pela hiperexposição na rede. E, de quebra, ganha novas nomenclaturas para caber nesse mundo de hashtags e algoritmos.
Assumir numa roda de cerveja que você é um (ou uma) maria-chuteira e não resiste a um craque marrento, suado e de uniforme ou admitir que anda disposto a bancar o novinho que vive te enviando mensagens em busca de grana pra sair com os amigos no fim de semana já é tão batido que beira a banalidade.
Se você acha que é exagero da minha parte, saiba que já existe até um código entre usuários do Instagram e do TikTok para quem se interessa em bancar e ser bancado. Sim, a libido também aprendeu a usar filtros e legendas.
Um dos muitos “havaianas brancas”, como são chamados os garotos que agem com discrição na internet, explica que postar foto com os tão populares chinelos brancos pode sinalizar abertura para negociar uma forma de benefício mútuo.
Eles são, em sua maioria, héteros com namoradas, estudantes universitários que dividem a rotina entre academia e futebol, e buscam uma vida com mais conforto e facilidades.
Enquanto uma das partes ganha acesso ao objeto do fetiche ─ pés, jogos de submissão e dominação, mimos, massagens e até serviços domésticos ─, a outra é recompensada com dinheiro ou bens materiais. Se identificou?
O que não podemos perder de vista é que qualquer fetiche — por mais estranho que nos pareça ou confronte a nossa ideia de normalidade — é tão natural quanto se masturbar aos quatorze anos imaginando mamilos rosados e protuberantes.
Apesar de Freud, o tiozão do charuto, criador do que hoje chamamos de psicanálise, ter interpretado, ainda no século XX, o fetichismo como uma forma de defesa psíquica diante da angústia de castração, a noção contemporânea é outra: práticas sexuais diversas podem ser expressões saudáveis do desejo.
Tanto é que abordagens mais recentes da psicologia e da sexologia consideram as condutas fetichistas não apenas normais, mas potencialmente benéficas — desde que sejam consensuais e não causem sofrimento.
É quase que consenso entre os psicólogos que fetiches podem simplesmente ser adquiridos de outras pessoas ou de situações a que fomos expostos. Eles não surgem de forma espontânea, mas são reforçados por associações ao longo da vida. Uma experiência sexual marcante (muitas vezes na adolescência ou juventude) pode levar a uma peça de roupa, um cheiro ou uma situação à excitação sexual. É o caso das chuteiras, meias e chinelos que se tornaram objeto de desejo ─ e giram em torno da estética sensorial dos pés masculinos.
Além disso, há também quem deseje loucamente ter contato com a textura e o cheiro dos pés do amigo, parceiro de treino da academia, ídolo do esporte ─ ou até mesmo daquele integrante do time do baba com pés bonitos que tira a chuteira no vestiário e exala chulé capaz de causar delírio de prazer em gente que possui esse tipo de fetiche.
Se você achou esse último caso nojento, saiba que há um nicho no fetichismo que vai muito além do simples contato com objetos ou sensações, e busca experiências mais extremadas. Os pigs (porco em inglês) é o termo utilizado para se referir a quem se entrega de forma excessiva aos prazeres sexuais, envolvendo fluídos corporais, como suor, urina e, em casos mais raros, fezes (conhecido como scat).
Adeptos a essas práticas veem nos vestiários um paraíso repleto de possibilidades de realizações de seus desejos mais íntimos. Um exército de jogadores suados com pés e sovacos ─ peludos ─ à mostra, exalando odores e fluidos corporais, típicos de quem acabou de sair do gramado após uma partida de futebol, é um prato cheio para quem tem esse fetiche. Se isso já não é o bastante, há quem pague uma nota preta por calções e meiões usados apenas para desfrutar da própria obsessão.
Se antes a cena de duas mulheres se pegando alimentava o imaginário sexual masculino, agora parece que os fetiches entre homens héteros estão cada vez mais difusos. Talvez porque vivemos uma era de hiperestímulos ─ uma overdose de imagens, sons e corpos ─ que nos empurra para experimentações antes impensáveis. A internet e a pornografia criaram um laboratório global da libido, quebrando tabus e tornando a sexualidade cada vez mais fluida.
Quem nunca ouviu de um amigo a confissão de que sente uma vontade incontrolável de enforcar ou ser enforcado pela gata? Ou de apimentar a relação com algum brinquedinho? A asfixiofilia (o fetiche por enforcamento) e os brinquedos eróticos ─ antes quase sempre restritos ao universo gay ─ estão em alta no mundo heterossexual.
Nos últimos anos, as buscas no Google sobre “enforcamento no sexo” dispararam. A prática, que consiste em restringir a passagem de ar para intensificar o prazer, é considerada uma forma de masoquismo e está dentro do universo BDSM (bondage, disciplina, sadismo e masoquismo). Segundo um estudo recente da professora Debby Herbenick, da Universidade de Indiana, ela tem sido adotada por jovens entre 18 e 30 anos.
O uso de brinquedos eróticos entre heterossexuais também é uma tendência crescente. O motivo? Menos tabu, mais curiosidade. O aumento da popularidade pode ser atribuído à redução do estigma, à busca por novas experiências, ou seja: mais desejo de explorar o prazer mútuo e individual numa era em que talvez seja melhor se masturbar entre a fantasia e o autoconhecimento do que se frustrar numa relação sexual sem estímulos ou prazer.
Há certos temas que parecem feitos para testar os limites entre o tabu e a curiosidade. A “chuva de prata”, mais conhecida como golden shower, é um deles. A prática expressa a dinâmica simbólica de poder e vulnerabilidade. Mija quem pode, recebe o jato quem (não) tem juízo.
Por trás do ato, há menos escândalo do que se imagina e mais psicologia do que se comenta. É, no fundo, um jogo de poder: quem domina e quem se entrega, quem impõe e quem se rende. Na intimidade, esses papéis se revezam, e o que parece submisso pode, em silêncio, ser quem dita o ritmo da cena.
E por falar em jogo de poder… há histórias que parecem escritas pelo próprio inconsciente. No Amazonas, um policial civil protagonizou uma delas: embriagado, entrou em uma cela e manteve relações sexuais com cinco detentos.
O episódio, que ganhou notoriedade nacional em outubro deste ano, revela o quanto o poder e o desejo se entrelaçam de forma sutil e perigosa: no fetiche, o domínio e a submissão dançam lado a lado, e o inconsciente, esse velho roteirista das nossas transgressões, lembra que ninguém ─ nem mesmo um agente da lei ─ está a salvo dos seus impulsos mais secretos.
“Sinto um desejo incontrolável de ser dominado por uma mulher: me tornar escravo, capacho, submisso; apanhar, ser humilhado, cumprir suas ordens [...]”. A confissão de um usuário do Reddit, espécie de fórum que também funciona como rede social, onde pessoas compartilham experiências e informações em comunidades temáticas chamadas subreddits, revela como a parafilia, termo que designa comportamentos sexuais intensos associados ao sofrimento ou à humilhação, é um fetiche tão comum quanto beber ou comer.
Tanto mulheres quanto homens podem desejar vivenciar a humilhação erótica, na qual o prazer surge do desequilíbrio de poder previamente combinado. A dinâmica envolve os papéis clássicos de dominadora e submisso: enquanto quem domina se sente empoderado e excitado ao exercer controle sobre o outro, quem se submete entrega-se por completo aos seus desejos e caprichos.
Entre chicotes e vendas, descobrimos que, de perto — ou entre quatro paredes —, ninguém é realmente normal. No fundo, todo mundo compartilha desejos coletivos, só muda o roteiro da fantasia.





