Os gemidos estalidos da minha vizinha do andar de cima me despertaram às 23h30 de uma sexta-feira qualquer em meio a um ritual de acasalamento intenso e incessante.
O episódio ilustra como dias comuns na cidade grande costumam terminar: na cama ─ ainda que a minha seja menos frequentada do que clubes de leitura de Colleen Hoover em universidades.
O segundo cenário é um pouco mais acalentador: chego de uma turnê pela Olívia, em pleno sábado à noite, após alguns cosmopolitans, e desabo entre lençóis macios, ainda sem tirar meus mocassins italianos.
Fecho os olhos, na tentativa de me distanciar da carência típica de um solteiro, mas sou tragado imediatamente pelo ranger da cama, acompanhado de rugidos abafados, que atravessam o teto com a fúria de um felino selvagem.
vida adulta
Depois dos trinta, a vida adulta se divide basicamente em duas categorias: a primeira, em que o sexo acontece quase que constantemente — tão habitual quanto escovar os dentes pela manhã —, e a segunda, em que ele surge como um evento raro, como jantar em um restaurante caro. Adivinhe em qual delas estou.
Embora minha vizinha roubasse meu sossego com sessões insanas de sexo a poucos metros acima da minha cabeça, eu me consolava pensando que, pelo menos, aquilo deveria servir para alguma coisa ─ talvez, despertar em mim o sentimento de empatia ou, quem sabe, aperfeiçoar meu repertório de gemidos.
O que não me surpreendia é que os estertores e estalos dos tapas poderiam servir como uma trilha sonora motivadora. Entro no clima e me pergunto se devo ligar para conhecidos na cidade apenas para saber se eles gostariam de se inspirar na ópera orgásmica e também fazer sexo, ou simplesmente surto em uma crise nervosa?
Há ainda uma terceira opção: tocar a campainha e pedir que ela regulasse o volume do sexo. Mas logo descartei a ideia. Isso soaria como coisa de gente invejosa, e eu jamais interromperia o melhor momento da noite de alguém em ótima companhia.
Não é surpresa que alguns amigos do sexo masculino tenham se candidatado para “conhecer” minha vizinha, depois de eu consultá-los em busca de possíveis soluções.
o silêncio se tonou fantasiaO detalhe mais curioso? Nenhum deles estava realmente interessado em saber como ela era, se malha na Alpha ou se sai para jantar aos fins de semana no Bosque, no Candeias.
Mas me pediam insistentemente para descrever ─ em detalhes ─ os gemidos. De certa forma, isso conferia à situação uma aura de comicidade e mistério, envolta de imaginação e fantasias, separada por centímetros de concreto.
No fim das contas, até aprendi a medir as horas não pelo ponteiro do relógio, mas pelo ritmo dos encontros noturnos da minha vizinha.
Depois de eu começar a me acostumar com a ideia de que alguns de nós têm o privilégio de viver prazeres intensos, percebi que talvez meu papel fosse apenas o de espectador involuntário de uma peça erótica de temporada infinita.
Entre sussurros, murmúrios e até ─ pasmem ─ gritos, aprendi a rir da minha própria abstinência, como quem se contenta com a pipoca diante do filme que jamais vai estrear em sua vida.
Afinal, se não posso subir ao palco, resta-me apreciar (e transformar em crônica) os ecos de um espetáculo que, ironicamente, acontece tão perto e, ao mesmo tempo, tão distante de mim.
